7.2.08

O Último Dia - II*

Saiu da garagem cantando pneus. Aproveitou o sinal vermelho e colocou um velho CD para tocar. "Hey poor, hey poor, you don't have to be poor anymore! Jesus is Here!" Deu risada ao ouvir a primeira frase e gritou olhando no retrovisor: "Jesus is here!". A irônia da música e a batida forte faziam ela pisar mais no acelerador.

Teve que parar em outro semáfaro fechado e no carro ao lado três garotos olhavam como raposas babando sobre a presa. "Que ceninha patética de filme adolescente", pensou sem desviar os olhos do carro ao lado. "Oh God, I'm a sinner. I deserve to go to Hell". "Oi rapazes, querem brincar com uma mulher de verdade?". "Brincar não que a gente não é criança", foi a resposta, típicamente infantil, do motorista ao lado. "Tá bom, me desculpe. Faz assim, liga pra esse número amanhã, a gente marca de sair".

Quase pulando pela janela um dos rapazes esticou o braço e pegou o papel onde estava marcado o número de telefone do escritório onde ela trabalhava até uma semana atrás. O nome era da vagabunda que trepava com o chefe e causou sua demissão. "Por favor, me liga". Acelerou. "No sex untill marriage".

Só tinha um lugar para ir. Sabia que podia encontrar aquela pessoa lá. Se encontraram muitas vezes. Ao chegar, comprimentou o segurança, entrou, pegou uma bebida no bar e foi direto pra pista. Tinha prometido que hoje ela se permitiria tudo. Era o último dia daquela vida medíocre que levava. Era o último dia do medo e do arrependimento.

Logo seus olhos acostumaram com a escuridão e o forte strobo que explodia em diversas cores. Deu uma volta, reconheceu alguns conhecidos, ignorou todos. Até que viu quem procurava entre os flashes das luzes. Estava beijando outra pessoa. Por um instante se fez silêncio em sua mente.

Aproximou-se mordendo o lábio inferior. E aquilo não era tesão. Ele era alto, seu cabelo parecia claro ao reflexo das luzes, bem curtinho nas laterais. Ela também não era baixa. Branca, cabelos lisos, tingidos de vermelho, longos, formavam um 'V' em suas costas. Aproximou-se dos dois e ficou um instante olhando, até que pararam de se beijar.

Ela se aproximou mais. Ao redor o mundo girava com as luzes e as batidas da música. Olhou na cara dele e sem falar nada lhe deu um tapa que estalou, apesar do volume da música, e com as duas mãos em seu peito lhe empurrou. Ele apenas ficou parado, sem entender bem o que aconteceu. Ela virou-se para a moça, agarrou seus cabelos vermelhos e lindos, e lhe deu um beijo na boca, demorado, lento e forte.
Não era preciso dizer nada. A música falava por elas. "All I ever wanted, All I ever needed Is here in my arms. Words are very unnecessary, They can only do harm".

*****
Na vitrola Enjoy the Silence - Depeche Mode
*****
* O título ficou sem sentido, eu sei, mas a história começou de um jeito em outro texto e, como todos que escrevem qualquer coisa sabem, tomou outra direção e terminou assim. C'est la vie.

5 comentários:

Rodrigo disse...

Poxa, du! Pirei qdo vi que vc resolveu continuar o texto... muito bom. Diferente do que eu imaginava no primeiro.

Anônimo disse...

dar o cartão da vagabunda foi uma sacada de Nazo, Du! Parabéns pela idéia!!! A mocinha do texto é uma Naza! hahahaha...

Anônimo disse...

Como você consegue pensar nessas coisas, ter essas idéias, e ainda guardar o segredo pro final? Rsrs

Gostei do novo rumo, tudo pode tomar um novo rumo!

Anônimo disse...

Adoreeei o texto!! Gosto de ser surpreendida kkkk


Bjs

disse...

Surpreendente, de fato. Mto bem escrito tbm. A-do-rei, Edu. Pra mim um dos teus melhores textos que já li. Maravilhoso.

Me lembrou uma cena de Lua de Fel (do Polanski. Se não viste, corre e assiste), no qual um casal está em lua-de-mel num cruzeiro e o cara começa a ter um caso com uma mulher, também casada.
Daí numa determinada cena a esposa traída diz que tudo q o marido faz, ela tbm pode fazer e beija a amante dele. Mto, mto boa a cena.

Bjs. Estou cheia de idéias. :)